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CEFET-MG

“Penso que as pessoas leem mais hoje do que ontem. E assim vamos”

Segunda-feira, 30 de outubro de 2017

No Brasil, o dia 29 de outubro é considerado o Dia Nacional do Livro. A data é uma homenagem à fundação da Biblioteca Nacional, em 1810. Fundada no Rio de Janeiro  pela coroa portuguesa, a Biblioteca é considerada pela Unesco uma das dez maiores bibliotecas nacionais do mundo e a maior da América Latina. Mais de 9 milhões de itens compõem seu acervo.

Para marcar a data, convidamos a professora do Departamento de Linguagem e Tecnologia Ana Elisa Ferreira Ribeiro para falar sobre livros. Ana Elisa atua no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens (mestrado e doutorado) do CEFET-MG, bem como no bacharelado em Letras (Edição), em cursos de especialização e na educação profissional técnica de nível médio. É pós-doutora em Comunicação pela PUC-Minas, em Linguística Aplicada pelo Instituto de Linguagens da Unicamp e em Estudos Literários pela UFMG.

Além da carreira acadêmica, Ana Elisa também é cronista, contista e poeta, autora de livros e publicações literárias individuais e coletivas no Brasil, em Portugal, no México, nos Estados Unidos e na França. Dois de seus livros foram semifinalistas do Prêmio Portugal Telecom de 2014. Em 2015, o seu livro infantojuvenil “O e-mail de Caminha” foi selecionado para o Acervo Básico da Federação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).
Segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) um livro é uma “publicação não-periódica impressa de no mínimo 49 páginas, além da capa, publicada no país e disponibilizada ao público”. Essa definição é abrangente ou limitante? Por quê?
Embora pareça óbvio, é preciso definir algumas coisas a fim de operacionalizar questões práticas. O livro é um objeto e uma tecnologia que passou por diversas transformações em sua história, especialmente por inovações incrementais importantes. Além disso, é um objeto ligado a um mercado, isto é, envolve comércio, dinheiro, empresas, pessoas. A Unesco definiu o livro dessa maneira décadas atrás, a fim de fazer estatísticas e ordenamentos em relação à cultura e à educação, mas é possível observar que essa definição ainda não foi revisada. A questão inquietante das 49 páginas exclui muitos materiais que, na prática, chamamos de e consideramos livros (muitos infantis, por exemplo). No entanto, é possível que esse número esteja ligado à capacidade de grampear os cadernos. O que mais nos assusta hoje em dia é a definição considerar apenas o livro impresso, quando sabemos que há intensa movimentação em torno do livro digital. A “capa” de um livro digital não passa de uma metáfora. Em razão disso, essa definição é desatualizada ou anacrônica. Prefiro não pensar em limitações quando falamos de tecnologias de naturezas diferentes, mas com suas funções muito operantes.
Costumeiramente, atribui-se a Gutemberg e sua invenção da prensa tipográfica a disseminação do hábito de ler e escrever entre novas classes sociais. Qual foi a real importância desse invento para a sociedade e como isso impactou a produção e a disseminação do conhecimento?
A invenção de Gutenberg certamente gerou muitas mudanças nas maneiras como o livro circulava e era lido. A primeira coisa que esse alemão imprimiu foi a Bíblia, o que teve relação direta com a Reforma Protestante. O fato de um livro poder ser reproduzido mais fielmente, muito mais rapidamente e mais barato transformou o cenário da leitura, da edição e da escrita. É difícil tratar disso muito ligeiramente, mas é certo que o impacto da prensa sobre a reprodutibilidade dos livros e o alcance de leitores foi grande. No entanto, o hábito de ler e escrever é algo lento de mudar. A invenção da prensa não alterou muito a forma do livro – que continuou um retângulo com páginas costuradas de um lado, isso é importante de lembrar, mas operou sobre sua forma de fazer e de circular. Decorrem daí mudanças relacionadas à sociedade de várias maneiras, como o acesso ao conhecimento, a circulação mais ampla dos textos, a questão da autoria, a profissionalização de um mercado, a circulação da ciência, da religião, da literatura etc.
O professor de literatura da Universidade Paris 8, Pierre Bayard, afirmou em uma entrevista que “quem incentiva a preguiça da leitura é a exigência de ler”. Quais estratégias seriam interessantes para criar o hábito da leitura e contribuir para a formação de leitores sem traumatizá-los?
Estamos há tempos tentando encontrar uma fórmula que contribua para a formação de leitores “sem traumatizá-los” e de um modo que eles se habituem a ler para todo o sempre. Parece que, mesmo com os esforços de tanta gente, de tantos profissionais, isso não apareceu ainda, certo? Não é por falta de vontade de professores, pedagogos, escritores, editores etc. Não há uma receita. E essa coisa do “trauma” é muito complicada. Não é possível que as pessoas só queiram aprender sem fazer qualquer esforço! Bem, há muito o que ler, de muitos modos, em variadas plataformas. Não é possível que nada agrade nunca! E, na verdade, muita gente lê sim, de maneira variada. Acho que estamos precisando mediar bem, influenciar (palavra da moda até no discurso do marketing) e manter a marcha. Penso que as pessoas leem mais hoje do que ontem. E assim vamos.
De acordo com pesquisa encomendada ao Ibope pelo Instituto Pró-livro (IPL), apenas um terço dos brasileiros teve influência de alguém na formação do seu gosto pela leitura, sendo a mãe ou responsável do sexo feminino, bem como o professor, os maiores influenciadores desse processo. Na prática, esses fatores são determinantes para o surgimento de novos leitores ou há mais elementos decisivos?
De fato, a influência feminina sobre a formação de leitores é um fato e um dado já medido. Algumas campanhas de leitura até são dirigidas às mulheres, já que elas parecem criar esse vínculo mais diretamente e porque costumam ser as maiores incentivadoras dos estudos em um lar (mesmo tendo sido tão silenciadas e impedidas, durante tanto tempo). Mas certamente há outros elementos nessa equação. O professor e a escola certamente são uma agência fundamental de letramento. Muita gente só terá acesso a certas coisas na escola. A vida social, um processo de alfabetização bem-sucedido, a oferta de material de leitura ao alcance, etc. são itens nessa lista. Uma localidade sem acervos (em escolas, bibliotecas, livrarias etc…) certamente atrasará o acesso de algum leitor potencial ao objeto que ele almeja. Mas há leitores que nascem do improvável. Com a informática, a leitura pode aparecer em novas roupagens. O fato é que as pessoas precisam arranjar desculpas cada vez melhores para não lerem nada, nunca.
O autor José Afonso Furtado, em seu livro “O papel e o pixel. Do impresso ao digital: continuidades e transformações”, estabelece que credibilidade, confiança e qualidade separam o impresso do digital. Quais outras características diferenciam livros impressos de digitais e quais as vantagens e desvantagens de cada uma dessas plataformas?
Conheço o José Afonso. Ele vem refletindo sobre essas questões há tempos. Com todo o respeito que tenho a ele e ao trabalho que ele desenvolve em Portugal, com amizades no Brasil, hoje em dia é difícil dizer que essas características sejam separáveis conforme a tecnologia. Não posso afirmar que o que é de credibilidade esteja no impresso e no digital, não. Isso não é verdade. Temos impressos cheios de bobagens e ambientes digitais absolutamente confiáveis e credíveis. Qualidade? Também, é claro, em ambos; assim como há o desqualificado em impressos e digitais. Isso não parece óbvio? Está tudo misturado, até porque muito do analógico está digitalizado. Não acho produtivo pensar em vantagens e desvantagens. Sinto-me comparando laranjas e bananas. Eu não operaria numa lógica segundo a qual a vantagem da laranja é ela ser uma fruta cítrica, com gosto meio doce e azedo, que se pode comer retirando a casca e acedendo a uma polpa suculenta, em gomos. Enquanto a banana não é cítrica, pode ter sua casca retirada facilmente com as mãos, dando a ver uma polpa clara, macia, mordível. Enfim… uma metáfora boba para o que quero dizer sobre comparar impressos e digitais nessas bases. É o que muita gente tem feito. Cada um deles é uma coisa que opera segundo pode, segundo suas affordances, e serve para N coisas. As práticas sociais configuram isso de um jeito inteligente. Tudo leva a crer que as pessoas, socialmente, têm se apropriado de tudo, conforme suas condições, seu contexto, suas contingências e necessidades. O resultado é uma bela salada colorida.

Secretaria de Comunicação Social / CEFET-MG